Claudio
de Moura Castro
Aprovar quem
não aprendeu?
"O medo da repetência leva o aluno de classe
média a estudar, para evitar os castigos. Nas famílias mais modestas não há
medo nem pressão para que os filhos estudem"
Para chamar
atenção sobre pesquisas irrelevantes, um bando de gaiatos de Harvard criou o
prêmio Ignobel (um brasileiro já foi agraciado, por estudar o impacto dos tatus
na arqueologia). De fato, esse é um problema clássico da academia. Como às
vezes aparecem descobertas de valor na enxurrada de idéias que parecem bobas,
todos se acham no direito de defender as suas. Diante disso, é reconfortante
encontrar pesquisas colimando assuntos palpitantes e com resultados precisos e
definitivos. Esse é o caso da tese de Luciana Luz, orientada pelo professor
Rios Neto (UFMG), que examinou um problema fundamental: no fim do ano, o que
fazer com um aluno que não aprendeu o suficiente? Dar bomba, para que repita o
ano? Ou deixá-lo passar? O uso de dados longitudinais permitiu grande precisão
na análise. A autora tratou os números com cuidado e sofisticação estatística.
O cuidado aumenta a confiança nos resultados. Mas a sofisticação impossibilita
que se faça aqui uma explicação acessível da análise estatística.
Contudo, a
interpretação das conclusões é clara. A tese permite comparar um aluno que
repetiu o ano por não saber a matéria com outro que foi aprovado em condições
similares. Os números mostram com meridiana precisão: um ano depois, os
repetentes aprenderam menos do que alunos aprovados sem saber o bastante. Tudo
o que se diga sobre o assunto não pode ignorar o significado desses dados, que,
aliás, corroboram o que foi encontrado pelo professor Naércio Menezes e por
pesquisadores de outros países.
Ao que
parece, para os repetentes, é a mesma chatice do ano anterior, somada à
frustração e à auto-estima chamuscada. Andemos mais além da tese. Não
reprovando, a nação economiza recursos, pois, com a repetência, o estado paga a
conta duas vezes. E, como sabemos por meio de muitos estudos, os repetentes
correm muito mais risco de uma evasão futura. Logo, ganha-se de três lados.
Como a "pedagogia da reprovação" não funciona, a "promoção
automática" é um mal menor.
Ilustração
Atômica Studio
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A história não acaba aqui. A angústia de decidir se
devemos aprovar quem não sabe torna-se assunto secundário, diante da
constatação de que o aluno não aprendeu. Esse é o drama mais brutal do ensino
brasileiro. Por isso, a discussão está fora de foco. Precisamos fazer com que
os alunos aprendam. De resto, não faltam idéias nos países onde a educação dá
certo. Por exemplo, na Finlândia – e mesmo no Uruguai – há professores cuja
tarefa é dar uma atenção especial aos mais fracos. Por que se digladiam todos
contra a "promoção automática", quando a verdadeira chaga é o fraco
aprendizado? De fato, há uma razão. Grosso modo, três quartos da população
brasileira é definida como de "classe baixa". Dada essa enorme
participação, o que é verdade para seus membros é verdade para o Brasil como um
todo. Mas há os 20% de classe média e alta. Para esses pimpolhos, a situação é
diferente. Famílias de classe baixa são fatalistas, assistem passivamente à
reprovação dos seus filhos. Se não aprenderam a lição, é porque "sua
cabeça não dá". Já na classe média a regra é outra. Levou bomba? Antes
zunia a vara de marmelo, depois veio o confisco da bola, da bicicleta ou do
iPhone. Santo remédio!
Reina a
"pedagogia do medo da repetência". Essa é a arma dos pais para que o
filho se mantenha por longo tempo colado à cadeira e com os olhos no livro. Cá
entre nós, eu estudava por medo da bomba. É também a ameaça da bomba que
permite aos professores forçar os alunos a estudar. Sem ela, sentem-se
impotentes. Portanto, estamos diante de um dilema. O medo da repetência leva a
minoria de classe média a estudar, para evitar os castigos. Pode não ser a
pedagogia ideal, mas ruim não é. Já nas famílias mais modestas não há medo nem
pressão para que os filhos estudem. O que há são as bombas caindo do céu e
criando repetência abundante e disfuncional. Pouquíssimos países no mundo têm
níveis tão altos de repetência como o nosso. Ao contrário de outros dilemas,
esse tem solução clara, ainda que difícil. Basta melhorar a qualidade da educação
para todos.